domingo, 22 de outubro de 2006

Àspera Vida


Foto by Luís Récio

Esta saudade é uma maré que eu sou;
Esta tristeza é já meu mar rolando,
Meu vento levantando-se na voz,
Minha contiguidade separando
Seus bocados inertes e sem área,
Seu percorrido igual em todos os navios,
Seu movente e parado eirado frio
Que se aquece nos reinos de coral
E quer quebrar-se em praias — mas que é delas,
Se não são minhas secas desistências
No inútil desenho de alguns passos?
De onde em onde uma luz — mas nem parece,
De apagada e perdida nos socorros,
De intermitente ao vento que já sou...

Vitorino nemésio

Ilhas de Bruma


Furnas - S. Miguel
Foto by Mário Oliveira

O Nosso Mundo


Foto by Sanatório

O mundo foi criado para
As pessoas que se amam.
Foi criado para aqueles
Que conseguem sentir
O sol e o vento
A acariciar a sua face,
Que conseguem ouvir
A chuva e o cantarolar dos pássaros,
Que conseguem sentir a firmeza da terra e
A frescura da água…
Fazendo de tudo isso
Uma parte da sua própria felicidade.
O mundo foi criado
Para pessoas que se amam…
O mundo foi criado
Para pessoas como nós


dedicado a L.

Estou contigo e não largo


Foto by Joe Taruga

sábado, 21 de outubro de 2006

Este Amor


Foto by Anticiklone

Este amor…
Não há luz que brilhe
mais que o teu sorriso aberto,
emoção que no peito queima.
Meu coração quer amar
este amor inevitável e doce
que transforma corpo e alma.
Este amor que sinto por ti
invade a minha alma,
muda o meu mundo.
Eu e tu somos um,
somos amigos,
somos queridos.
Tu fazes-me sorrir e,
com a tua maneira
fazes-me pensar
que este amor
é para a vida inteira.


adaptado de Sara Tavares
dedicado a L.

Nós


Foto by Tacca

Nós somos a forma bonita, completa, de se cantar,
nós somos a voz e a palavra que nunca vão acabar
cantando e amando e vivendo,
com toda a vontade que é possível ter.
Nós somos a forma bonita, completa, de se viver,
nós somos o ser extravazado que o nosso sentir nos dá,
o mito complexificado em busca do que não há,
cantando e amando e vivendo,
com toda a verdade que é possível ter.
Nós somos a forma bonita, completa, de viver
e eu canto e quero o que eu canto.
Preciso cantar para encher essa forma
eu sou o que eu canto,
é na voz que eu rebento de mim
alguém completado na vida.
A partir do momento em que a forma bonita
se enche de uma essência qualquer de ser,
somos também a alegria melhor que se inventa.
Se alguém perguntar afinal
o que é que nós somos de tão lindo assim,
a resposta é tão simples
basta olhar para ti e para mim.

adaptado de Mafalda Veiga
dedicado a L.

Hoje tá de chuva...


Autor desconhecido

sexta-feira, 20 de outubro de 2006

Canção da Chuva


Autor desconhecido

Por essa luz que já enche o ar
por essa noite que se demora
e não quer passar.
Por essa voz a chamar no escuro
pela canção que vem do mar
pelas palavras que não procuro
nem quero achar.
Por quem se aproxima sem ruído
de mansinho,
e deixa ao passar
no ar um silêncio, nos sentidos
como um vinho
que me faz lembrar,
antigos cantos proibidos
de se cantar.
Por quem no meu corpo,
os mistérios
mais escondidos
teima em acordar.
Por esses dias que me fugiram
por entre os dedos sem se deter,
como essa chuva a cair na rua sombria e nua,
sem eu saber
talvez só por estarmos sós,
esta noite em nós
insista em nos levar pelo ar.

Pedro Malaquias

quarta-feira, 18 de outubro de 2006

Prece


Foto by Ricardo Machado

Fim


Foto by Pedro Malheiros

Acessos venosos periféricos na intermédia direita e esquerda com dopamina, furosemida e aminofilina em perfusão contínua…
Transfusão de 2 unidades de concentrado eritrocitário em curso…
Sonda nasogástrica e algália…
Linha arterial na radial direita...
Respiração assistida por ventilação não invasiva...
Acorrentado à vida por tanta tecnologia, esperas a morte...desejando-a ardentemente!
Neste fim de dia, o teu corpo já nem te pertence por inteiro. Com os olhos fixos no tecto da enfermaria, tentas dormir, mas não consegues. O ruído dos monitores, a pressão da máscara, a dor e a dignidade que ainda te resta, impedem-te o sono e o descanso.
Tentas cruzar as mãos sobre o peito...é a posição mais digna que te é permitido.
Fechas os olhos para sonhar que anoiteceu, levantas a mão pedindo um sinal que não posso dar. A vida é tortuosa e dura, mas a morte pode ser ainda mais.
Agora já não consegues dormir...só morrer.
Deus há-de aparecer para decidir.

Simetria


Foto by Carlos Matos

Amor



Há amor amigo
Amor rebelde
Amor antigo
Amor da pele
Há amor tão longe
Amor distante
Amor de olhos
Amor de amante
Há amor de inverno
Amor de verão
Amor que rouba
Como um ladrão
Há amor passageiro
Amor não amado
Amor que aparece
Amor descartado
Há amor despido
Amor ausente
Amor de corpo
E sangue, bem quente
Há amor adulto
Amor pensado
Amor sem insulto
Mas nunca, nunca tocado
Há amor secreto
De cheiro intenso
Amor tão próximo
Amor de incenso
Há amor que mata
Amor que mente
Amor que nada, mas nada
Te faz contente, me faz contente
Há amor tão fraco
Amor não assumido
Amor de quarto
Que faz sentido
Há amor eterno
Sem nunca, talvez
Amor tão certo
Que acaba de vez
Há amor de certezas
Que não trará dor
Amor que afinal
É amor,
Sem amor
O amor é tudo,
Tudo isto
E nada disto
Um amor diferente
Sempre, para sempre
Para sempre

Miguel Majer
dedicado a L.

Luz da Noite



Foto by Pintex

terça-feira, 17 de outubro de 2006

Atlântico


Foto by Anticiklone

Estou de vigia, tenho a noite diante de mim...ou o dia. No meio de tanto breu já nem sei se esta escuridão oceânica é noite a clarear ou dia a escurecer. Não sei as horas...nem importa, apenas interessa o Norte e o Sul, o vento e o mar.
O oceano é negro e a noite insondável. O navio estremece com o rugir das ondas e um gemido assustador sobe das àguas, pelo costado até ao silêncio da alma. Há mais de um dia que a tempestade se levantou...e não há previsão de melhorar. Dizem que as ondas tem doze metros, mas não as vejo. Deste sítio onde me sento e agarro, só sinto o navio rebolar como louco. A proa sobe a pico para depois cair no abismo. De vez em quando olho pela amura e parece-me ver o mar já ali à minha frente, em baixo. Portanto presinto que atrás de mim deve ficar o céu e pelo esforço que faço para caminhar no pavimento inclinado da ponte, calculo que a inclinação deve ser monstruosa.
A borrasca diluviana fustiga o navio sem cadência precisa. A violência é certa mas a dircção das rajadas de gotas vem de todos os lados...até de baixo, marchando ao sabor da ventania ciclónica.
Não há conversas nem palavras, apenas o olhar preocupado do comandante...e os sons aterradores da tempestade.
Quando a ondulação se cava, abre-se um buraco até à raiz do oceano, onde parece ver-se o olhar dos náufragos sepultados, e costados de navios afundados.
Sinto-me um estranho, um fantasma no degredo. Já nem sei como se anda em terra firme, o meu andar já é flutuante e a cada passo, aproximo-me do fundo do mar. Sonho em ir a terra saciar o corpo, mas sei que quando chegar hei-de sentir sempre um eterno desencontro, uma sensação estranha de desadaptação, de chegar sempre tarde ou de partir cedo demais.
Deixo o tempo invadir-me a alma e corroê-la...nenhum pensamento me ocorre excepto aquele em que não quero pensar: “somos um palito no meio do infinito, sozinhos, sem salvação possível. As águas devem estar geladas...Deus pode estar morto e o mar pode ser uma goela sem fundo”.
De vez em quando olho-me fixamente no espelho para me certificar que continuo vivo.
Para a semana já é Natal mas a ponte de um navio, à noite na tempestade, é um lugar de paixão absoluta...onde o amanhã não existe.

Dezembro 2001 – 40°22’N 37°16W
Resquícios de uma tempestade a bordo do "NRP António Enes"

Faz agora anos



Faz por esta altura anos, que embarquei...

O Mar e o Rio


Foto by Anticiklone

A chuva caía em lágrimas de cristal...batia nas vidraças, num choro abafado.
À saída de casa, virei à esquerda pela rua que descia até ao rio e procurei, em vão, o cheiro a maresia e a nebelina das ilhas.
Mas a manhã estava encharcada, o rio corria cinzento e nenhum sinal de luz rasgava a intransponível distância deste desencontro. Cheguei à margem, ao cais onde vagueiam almas penadas de solidão, silenciosos pescadores de àguas sujas, cães vadios nos restos da noite, bêbados enrolados em lençóis de anúncios classificados e outras ilusões.
Lembrei-me do que há muito tempo atrás lera de Eugénio de Andrade: “Os navios existem, e existe o teu rosto encostado ao rosto dos navios. Sem nenhum destino flutuam nas cidades, partem no vento e regressam nos rios”.

Adaptado de Miguel Sousa Tavares

Terras de Lava


Foto by Bruno Monix

segunda-feira, 16 de outubro de 2006

A luz que acende o olhar


Foto by Anticiklone

A luz que acende o olhar
vem das estrelas no meu coração
vem de uma força que me fez assim
vem das palavras, lembranças e flores
regadas em mim.
O tempo pode mudar
a chuva lava o que já passou
resta somente o que eu já vivi
resta somente o que ainda sou.
A luz que acende o olhar
vem pelos cantos da imaginação
vem por caminhos que eu nunca passei
como se a vida soubesse dos sonhos
que nunca sonhei.
Vem do infinito, da estrela cadente,
do espelho da alma, dos filhos da gente,
de algum lugar, só pra iluminar.
A força vem de onde eu venho,

de tudo que acende
A vida calada, olha-me e entende
o que eu sou, tudo que é maior.
Vem do amor
a luz que acende o olhar,
vem dos romances escritos em poesia
vem quando quer...se quiser...se vier.
Vem como um passe de pura magia,
como se eu visse e jurasse que há tanto tempo

que já te conhecia.
A luz que acende o olhar,
vem das histórias que me adormeciam,
vem do que a gente não consegue ver,
vem e acalma, traz-me e leva-me
para perto de ti.


Deborah Blando

sexta-feira, 13 de outubro de 2006



AMAR
É A MELHOR COISA
DO MUNDO

Read my Eyes


Foto by Philippe Balint

quinta-feira, 12 de outubro de 2006

Força 7

Outono


Praia do Pópulo - S.Miguel
Foto by Joana Silva

Há no firmamento
Um frio lunar.
Um vento nevoento
Vem de ver o mar.
Quase maresia
A hora interroga,
E uma angústia fria
Indistinta voga.
Não sei o que faça,
Não sei o que penso,
O frio não passa
E o tédio é imenso


Fernando Pessoa

Terras de Lava


Lages do Pico
Foto by Ricardo Guerreiro

Baleeiro


Foto by André Weill

O meu avô atravessou todas as ondas
Cruzou as monções e arpoou as baleias
Cantava de noite uma canção mágica
Que chama às redes os bandos de moreias
Contou-me histórias de grutas azuis
Onde as medusas estão de guarda às maresias
E de mulheres como estátuas de sal
Para sempre à sua espera em praias vazias
O meu avô amuou a baleia branca
Por ela se foi perder nos dentes do mar
Mas deixou um mapa no meu travesseiro
Para quando também eu já não quiser voltar
Só eu conheço o rumo do norte
Que atravessa os olhos verdes das sereias
Até às baías de cristais de gelo
Onde em segredo se vão amar as baleias

Clara Pinto Porreia