Foto by Mário Castro
Eram dez da noite. Atirou para o cesto a bata suja de sangue, dores e angústias.
Caminhou pelo longo corredor do hospital em direção à saída. Devia ter saído às nove, mas há sempre a vontade de deixar a sala “limpa” para quem entra de serviço, um RX para ver ou mais um pormenor a contar sobre o doente que ainda fica em observação.
Junto à saída, a máquina convida a um café revigorante, mas...as mãos constactam a ausência de qualquer moeda no fundo dos bolsos. É sempre assim quando precisamos delas.
Finalmente ultrapassou a última fronteira e mergulhou na noite.
Inspirou profundamente para lavar os pulmões com ar fresco e não condicionado. Olhou para o alto, para que os olhos se acostumassem a ver mais além do que os dez metros das últimas doze horas. O céu dá-lhe tranquilidade!
Primeiro vem o alívio...a sensação de dever cumprido, o sentimento de fechar uma porta e ter outra, imensa e mais feliz, para abrir. Em breves segundos passam-lhe pela lembrança todos os casos do dia, a dor do enfarte, a agonia da falta de ar, a sentença do cancro, a frustração da linha isoeléctrica...
Depois vem o cansaço súbito. Todos os músculos do seu corpo relaxam da adrenalina do dia, e então sobe-lhe uma súbita falta de força que invade até o mais recôndito canto da alma.
Desejou o duche morno que lhe há-de fazer desapegar da pele todos os dramas clínicos e humanos do dia, lavar-lhe a alma de toda a dor, grito e sofrimento alheios. E tal como a mulher violada se lava para esquecer o inesquecível, ele anseia esquecer a doença e a morte que sabe serem seus conviventes sempre, até à sua própria morte.
Depois imaginou a casa vazia à sua espera, a necessidade de fazer jantar...talvez devêsse ir comer um qualquer prato do dia por aí, mas não lhe apetece sentir a solidão desses sítios. Decide ir para casa...se não tiver força de vontade para cozinhar, ficar-se-á pela sopa congelada ou na pior das hipóteses por uma sandes com o pão de ontem.
Continuou a antecipar o silêncio da casa, o sofá da sala e a almofada para repousar o espírito. Pensou que as coisas deveriam fazer mais sentido do que esta surpreendente disparidade entre tratar outras vidas e gerir a própria vida.
Continuou a caminhar dolorosamente pelo parque de estacionamento. Alcançou o carro, sentiu o prazer masculino de pegar no volante, girou a chave na ignição e concluíu: “Que se lixe...foi só mais um dia igual aos outros”.
Caminhou pelo longo corredor do hospital em direção à saída. Devia ter saído às nove, mas há sempre a vontade de deixar a sala “limpa” para quem entra de serviço, um RX para ver ou mais um pormenor a contar sobre o doente que ainda fica em observação.
Junto à saída, a máquina convida a um café revigorante, mas...as mãos constactam a ausência de qualquer moeda no fundo dos bolsos. É sempre assim quando precisamos delas.
Finalmente ultrapassou a última fronteira e mergulhou na noite.
Inspirou profundamente para lavar os pulmões com ar fresco e não condicionado. Olhou para o alto, para que os olhos se acostumassem a ver mais além do que os dez metros das últimas doze horas. O céu dá-lhe tranquilidade!
Primeiro vem o alívio...a sensação de dever cumprido, o sentimento de fechar uma porta e ter outra, imensa e mais feliz, para abrir. Em breves segundos passam-lhe pela lembrança todos os casos do dia, a dor do enfarte, a agonia da falta de ar, a sentença do cancro, a frustração da linha isoeléctrica...
Depois vem o cansaço súbito. Todos os músculos do seu corpo relaxam da adrenalina do dia, e então sobe-lhe uma súbita falta de força que invade até o mais recôndito canto da alma.
Desejou o duche morno que lhe há-de fazer desapegar da pele todos os dramas clínicos e humanos do dia, lavar-lhe a alma de toda a dor, grito e sofrimento alheios. E tal como a mulher violada se lava para esquecer o inesquecível, ele anseia esquecer a doença e a morte que sabe serem seus conviventes sempre, até à sua própria morte.
Depois imaginou a casa vazia à sua espera, a necessidade de fazer jantar...talvez devêsse ir comer um qualquer prato do dia por aí, mas não lhe apetece sentir a solidão desses sítios. Decide ir para casa...se não tiver força de vontade para cozinhar, ficar-se-á pela sopa congelada ou na pior das hipóteses por uma sandes com o pão de ontem.
Continuou a antecipar o silêncio da casa, o sofá da sala e a almofada para repousar o espírito. Pensou que as coisas deveriam fazer mais sentido do que esta surpreendente disparidade entre tratar outras vidas e gerir a própria vida.
Continuou a caminhar dolorosamente pelo parque de estacionamento. Alcançou o carro, sentiu o prazer masculino de pegar no volante, girou a chave na ignição e concluíu: “Que se lixe...foi só mais um dia igual aos outros”.