terça-feira, 17 de outubro de 2006

O Mar e o Rio


Foto by Anticiklone

A chuva caía em lágrimas de cristal...batia nas vidraças, num choro abafado.
À saída de casa, virei à esquerda pela rua que descia até ao rio e procurei, em vão, o cheiro a maresia e a nebelina das ilhas.
Mas a manhã estava encharcada, o rio corria cinzento e nenhum sinal de luz rasgava a intransponível distância deste desencontro. Cheguei à margem, ao cais onde vagueiam almas penadas de solidão, silenciosos pescadores de àguas sujas, cães vadios nos restos da noite, bêbados enrolados em lençóis de anúncios classificados e outras ilusões.
Lembrei-me do que há muito tempo atrás lera de Eugénio de Andrade: “Os navios existem, e existe o teu rosto encostado ao rosto dos navios. Sem nenhum destino flutuam nas cidades, partem no vento e regressam nos rios”.

Adaptado de Miguel Sousa Tavares