domingo, 6 de novembro de 2005

Biografia

Nasci no Faial no final de uma tarde de Julho.Filho único de uma família tradicionalista, não muito grande mas unida e com raízes sólidas no triângulo, herdei daí desde logo o espírito insular com mãe do Pico e pai meio Faialense meio jorgense.Ainda recém nascido fui morar para as Lages do Pico onde fiquei até aos 2 anos mas desse tempo não consigo ter recordaçãoes, apenas algumas fotografias dos meus pais me fazem imaginar essa época.Depois viémos viver para o faial e aí fiz toda a minha infância, primeiro na Feteira e a partir dos 4 anos na Horta pois claro. Até ao final da escola primária, fui feliz entre o cais a escola da canada e a praia de porto pim, que viria a ser o meu primeiro grande amor...De facto, por morar a 2 passos, aquela praia foi o meu páteo de recreio e fez parte da minha vida (ainda hoje faz).Com a entrada primeiro para o ciclo e depois para o Liceu, o meu mundo cresceu. Foram os bons tempos desse grande grupo de herois das Angústias que reinou desde o Largo do Infante até ao pasteleiro, impondo o seu poder nas saudosas arcadas do Liceu, nas noites da marina, e óbviamente na praia de Porto-Pim.Foi lá (na praia) que brinquei ás pedrinhas, que desenvolvi elaboradas técnicas de construcção de castelos de areia e aprendi que que o mar os leva todos. Foi em Porto-pim que compreendi a limitação da ilha e o significado de horizonte, foi lá que comecei a amar o mar, que dei o meu primeiro beijo, que fumei o primeiro cigarro e provavelmente terá sido lá que pela primeira vez compreendi o sabor do corpo feminino.Foi também durante esses anos de saudável rebeldia que O GRUPO se afirmou noutros grupos: escoteiros, acólitos, Atlético...Depois veio a inevitabilidade do crescimento. A malta cresceu e teve de vergar-se ao peso das regras da vida adulta e com isso veio um destino traçado para todos os que nascem nas ilhas...a separação. O liceu acaba, uns ficam outros saem da ilha, alguns voltam...outros não! Foi um momento difícil. Desde há longos anos que teimosamente a ideia de ser médico me perseguia e chegara o momento...não foi possível adiar mais a separação da ilha...entrei em medicina no Porto e não me dei mal. A Invicta acaba por ter um estilo muito próprio, o seu bairrismo, a sua personalidade forte e identidade bem definida, fazem da cidade uma ilha grande. Talvez por isso me dei bem naquela minha segunda ilha.

Não posso negar que por uns anos encarnei mesmo o espírito tripeiro...vivi entre as Antas e a Ribeira, entre Cedofeita e a Foz. Amei a névoa do Porto e a sua chuva miudinha, as suas mulheres carnudas e o seu praguejar. Fiz compras no Bolhão e passeei em Sta Catarina, estudei no piolho e lambuzei-me nas francesinhas do Kappa Negra, embebedei-me nos bares da ribeira e frequentei os ambientes alternativos muito "underground" da zona velha, namorei nos jardins do palácio e beijei ao som do Abrunhosa. Tantas vezes dancei no Swing e no Cais 447 que eram onde a malta estudante sem carro podia ir por haver linha dos STCP. Nunca fui do FCP mas cheguei a ir á bola ver o espectáculo que são as Antas em Domingo de jogo.

Tirei o curso no ICBAS e por uma questão de proximidade relacionava-me muito com a malta do FCDEF, de Ciências e de Engenharia. Sobretudo estudantes das ilhas ou de fora do Porto, que eram os que ficavam na Invicta ao fim de semana. Como bom estudante que se preze, adoptei as regras da paxe académica, andei em serenatas e manifestações contra as propinas. nos primeiros anos tinha um bom núcleo de colegas: um madeirense um bracarense um vimaranense e um alentejano exilado em Paços de Ferreira. Éramos da mesma turma, tínhamos os mesmos ideais, chumbámos as mesmas cadeiras, copiámos pelas mesmas cábulas, defendemos as mesmas causas académicas, cantámos ás mesmas mulheres...(hoje está um em cada canto do país. É mais um grupo que se desfez...)

Acabei o curso, queimei fitas e voltei para as ilhas, que esse era o meu destino desde o princípio, mas uma parte de mim ficou no Porto...uma parte de mim ainda é Porto. E ainda me emociono ao ouvir "Prto Sentido" do Rui Veloso.

E foi então que me assaltaram pensamentos que nunca tivera. Sendo faialense convicto, nunca sequer pusera como questão, onde faria a minha vida. Porém, agora que o grande momento de voltar a casa estava prestes a acontecer, tinha medo de me desiludir e de acabar por abandonar a ilha dos meus sonhos.

De facto, comecei a compreender que o Faial da minha juventude e das férias anuais, não seria o Faial do dia a dia. Grande parte da malta do grupo também só lá estava nas férias e profissionalmente sabia que iria me acomodar numa altura que devia inovar. No fundo, presenti que o meu sonho intenso de Faial poderia ruir e isso significaria sair da ilha para não voltar...por isso, qual noivo á beira do altar, tive dúvidas e resolvi adiar.

Mas a minha dependência pelo mar e pela bruma das ilhas não me deixou voltar para o continente. Optei pelo meio termo e fui para a Terceira. Sem tantas limitações como numa ilha pequena, nem com os defeitos das ilhas grandes, aliado ao facto de já ter lá família, acabou por ser a escolha certa.

De início foi estranho já que 6 anos e meio de cidade grande cheia de oportunidades, deixam vícios e hábitos difíceis de subtituir. Mas ao fim de 2 ou 3 meses comecei a compreender e admirar a maneira de ser e os costumes dos terceirenses. Lentamente fui-me integrando completamente e no final dos 2 anos de internato geral, sentía-me em casa, tinha feito novos amigos, estava rodeado de pessoas de quem gostava e penso que de alguma maneira também gostavam de mim. Foi um tempo de paz, condimentada até por algumas paixões. Também em termos profissionais a vida corria bem, gostava do que fazia e gostavam do meu trabalho.

E eis que nova decisão se impunha. Que especialidade escolher? Após 3 meses de indecisão acabei por entrar na especialidade que hoje vejo ser outra das paixões da minha vida.

Com a angústia crescente de quem sabe que vai ter de se afastar novamente da ilha, vivi intensamente o primeiro ano da especialidade e último antes de voltar ao continente. Pelo meio uma paixão no Faial, que me aproximou novamente da ilha dos meus sonhos e me levou a pensar que o destino tinha os seus desígnios traçados para me levar definitivamente para o Faial.

Mas inesperadamente, qual maré vazia tudo acabou, numa noite de Verão em pleno Faial, deixando ferida a sangrar no chão antes imaculado da ilha. E para colmatar a minha tragédia de Verão, este não havia de acabar sem a catastrófica chamada para cumprir serviço militar obrigatório.

Em Setembro, irónicamente no dia seguinte ao trágico 11 de Setembro, ainda com o coração despedaçado, deixei tudo e todos os que gostava, fui integrado na escola de fuzileiros. Supostamente estas são tropas especiais, onde só fazem curso de oficiais os cadetes voluntários e seleccionados por provas físicas exigentes, mas por um erro administrativo, eu que deveria ter ido para a escola naval, fui integrado na escola de fuzileiros para fazer parte da turma de cadetes oficiais até jurar bandeira. Tempos difíceis aqueles...principalmente em termos psicológicos. Seis semanas de grande exigência para voluntários bem preparados, imagine-se para mim. Foi um período demasiado penoso que cumpri, com muita dor e confesso que com algumas lágrimas. No final saí de lá mais duro e amargo, mas tirei algumas lições importantes e senti até algum orgulho em ter conseguido.

O resto do serviço militar fi-lo no mar...pois claro. Depois do período negro que acabara de cumprir e claro que sabendo que o mar corria nas minhas veias, nem tive dúvidas quando me deram como opção ficar num centro de saúde naval em Lisboa ou embarcar nos navios da Armada. Fui destacado para as corvetas que patrulham as águas da zona económica exclusiva portuguesa.

Durante quase 5 meses de Inverno vivi a bordo do "NRP António Enes" e "NRP Augusto Castilho", sulcando os mares dos Açores. Acabou por ser um período marcante na minha vida. A quantidade enorme de sentimentos diferentes do habitual que a imensidão do mar nos proporciona, foi como um retiro espiritual. Uma retrospectiva e virar de página na minha vida, feita naturalmente no elemento que faz parte de mim e me me acompanha toda a minha vida...o mar.

Voltei a terra diferente. Voltei á terceira para esgotar os 4 meses que me restavam do 1º ano de especialidade, mas já com Lisboa no horizonte.

No verão de 2002, o destino cumpriu-se e mudei-me para a capital, pelo menos pelos 4 anos que faltavam para terminar a especialidade.

Foi novamente um período difícil, mas depois dos fuzileiros e da marinha, a minha maneira de encarar a vida mudara e agora a importância de viver um dia de cada vez, saboreando cada pequeno momento, permitiu-me aderir sem resistência ao meu novo estilo de vida.

E aqui estou há quase 4 anos, com base em Lisboa mas rodando por esse mundo, qual cavaleiro andante. A vida tem-me corrido bem...e tenho feito por isso.

O trabalho satisfaz-me e orgulha-me, mas o meu maior prazer é saber VIVER, é aprender com cada doente que trato, com cada mulher que beijo, com cada amigo que faço, em cada novo lugar que conheço, em cada nascer do sol...um dia de cada vez, todos esses pequenos bocadinhos vão fazendo crescer o meu coração. Porque como dizia Vitorino nemésio: "...nós açoreanos não temos medo que o mar nos alague nem que a terra nos falte, porque temos sempre presente que a terra é curta...e o tempo mais curto ainda"