sábado, 22 de julho de 2006

Poema da Malta das Naus



Lancei ao mar um madeiro,
espetei-lhe um pau e um lençol.
Com palpite marinheiro
medi a altura do Sol.
Deu-me o vento de feição,
levou-me ao cabo do mundo,
pelote de vagabundo,
rebotalho de gibão.
Dormi no dorso das vagas,
pasmei na orla das praias,
arreneguei, roguei pragas,
mordi peloiros e zagaias.
Com a mão esquerda benzi-me,
com a direita esganei.
Mil vezes no chão bati,
outras mil me levantei.
Fundei cidades e vidas,
rompi as arcas e os odres,
tremi no escuro da selva
alambique de suores.
Estendi na areia e na relva
mulheres de todas as cores.
Moldei as chaves do mundo
a que outros chamaram seu,
mas quem mergulhou no fundo
do sonho, esse, fui eu.
O meu sabor é diferente.
Provo-me e saibo-me a sal.
Não se nasce impunemente
nas praias de Portugal.

António Gedeão